Histórica · Literária

02 de julho e os poetas santamarenses

Festejamos em 02 de julho a Independência da Bahia. A data refere-se à fuga do Comandante português Madeira de Melo e seu exército de volta para Portugal, na madrugada de 02 de julho de 1823, pondo fim aos conflitos iniciados em 19 de fevereiro de 1822.

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O 1º passo para a independência. (Anônio Parreiras, 1931)

Como já vimos aqui, no post 14 de junho – tudo que um santamarense deveria saber, a Câmara de Vereadores de Santo Amaro foi a primeira a se posicionar oficialmente em prol da independência do Brasil, conforme a Ata da Vereação de 14 de junho de 1822. Esse fato é parte do processo começado em 19 de fevereiro, o que faz o 14 de junho santamarense ocupar um lugar relevante no movimento que culminou a deflagração da independência do país em 07 de setembro de 1822.

Ainda que o Recôncavo tenha se posicionado em favor da independência brasileira já antes da proclamação desta por Dom Pedro I, o Comandante Madeira de Melo e as tropas portuguesas persistiram em manter o domínio português sobre a Bahia. Na visão de Antonio Risério, em “Uma história da Cidade da Bahia”, havia pelo menos três significados para os portugueses em manter o controle sobre a Bahia.

Primo. Portugal não perderia por inteiro o Brasil – ao contrário, teria em suas mãos uma das províncias mais ricas […]. Secondo. O domínio da Bahia permitiria pensar numa partilha do Brasil – um reino autônomo poderia se articular no Centro-Sul, mas Portugal ficaria com um vasto território americano, estendendo-se da Província baiana a terras amazônicas […]. Terzo. A ocupação militar desse espaço, do Leste ao Extremo Norte, quiça abriria caminho para futuras investidas, conduzindo à reconquista lusitana de todo (ou quase todo) o Brasil. (RISÉRIO, 2004, p. 327)

Por essa razão, o 02 de julho de 1823, independência da Bahia, tem uma importância primordial na consolidação da independência nacional.

Mais adiante, compartilho 03 poemas de santamarenses sobre o 02 de julho. O primeiro, de Amélia Rodrigues, sobre a qual já escrevemos aqui, traz pedagogicamente à memória o martírio da Madre Joana Angélica, ocorrido em 19 de fevereiro de 1822, início das lutas pela independência da Bahia. O segundo e o terceiro são de Domingos de Faria Machado, uma personalidade sobre a qual ainda desejamos escrever aqui no blog, entre outras coisas, por ser o compositor da Novena de Nossa Senhora da Purificação. Os dois poemas foram publicados em 1851, seguindo o costume de compor hinos e poemas ao 02 de julho, que recebeu durante todo o século XIX uma reverência própria à que damos às coisas sagradas.

Esses poemas são apenas alguns exemplos dos muitos compostos naquele século, alguns dos quais pelo próprio Domingos de Faria Machado, mas também por outros poetas e poetisas da Bahia, que se dedicaram fartamente a  fazerem uma representação do 02 de julho pela ótica de ideias como o sacrifício, a heroicidade, a liberdade. Estes e outros poemas podem ser encontrados nos livros “O Patriota de Santo Amaro: Domingos de Faria Machado” e “O 2 de Julho na Bahia: antologia poética”, ambos organizados pela profª. Drª. Lizir Arcanjo Alves.

 

JOANA ANGÉLICA
Às crianças baianas

Crianças! Aprendei de nossa História
Um fato mais: tragédia desumana
E vil, porém que cinge de honra e glória
A fronte pura da mulher baiana.

Vou resumi-lo para vós. Um dia,
(Ao rebentar da Independência a luta)
Pela cidade ouviu-se a correria
Da soldadesca lusa, infrene e bruta.

Queria sangue e oiro. Indescritível
Era o seu ódio, o seu desbragamento
Fere, mata… e depois, ímpia, terrível,
Assalta e quebra as portas de um convento,

O convento da Lapa, ninho santo,
Onde viviam dignas brasileiras
Como pombas de Deus, no doce encanto
Da fé cristã. As inocentes freiras

Desmaiam de terror. Caíra morto
O velho capelão, p’ra defendê-las…
Nessa hora de pranto e desconforto
Meu Deus! Meu Deus! O que seria delas?

Madre Joana Angélica, a abadessa,
Assoma à porta, que o machado abrira,
E exclama, erguendo a virginal cabeça,
E o braço firme, numa santa ira:

“Ímpios!… para traz!… respeitai a morada
Das servas do senhor!…” no mesmo instante,
Tomba morta, de golpes traspassada…
E a canalha cruel passa adiante,

Pisando o nobre coração sem vida
E a fronte branca, a resplender virtude,
Da heroica mártir. Ó Pátria querida,
Não a esqueças jamais!… Ó juventude,

Recordai sempre o seu brilhante exemplo
De pureza e coragem varonil!
Sacrificai-vos defendendo o templo,
O lar, a honra, o nome do Brasil!

Amélia Rodrigues. Revista Cívica. Edição especial comemorativa do 1º centenário da independência brasileira. XVII, 46, 2 julho 1923.

 

HINO BRASILEIRO
Para ser cantado no glorioso Dia 2 de Julho
(Poesia dum sant’Amarense liberal, música de outro, oferecida à Briosa Sociedade 2 DE JULHO, instalada nessa cidade no dia 13 de maio de 1851)

Viva de Julho o segundo
Dia de prosperidade
Para o Brasil o primeiro
Império da Liberdade.

Nossa firmeza
Nossa união
Trará da Pátria
A salvação

Tu, Bahia a 2 de Julho
Marcaste uma nova idade
Debelaste os opressores
Deste ao Brasil Liberdade.

Foi dos céus por Febo ardente
Que a Divina Majestade
A 2 de Julho enviou-nos
A vitória, e Liberdade.

Viva a nossa Independência
Viva em Pedro a lealdade
Vivam os brados defensores
Da Pátria e da Liberdade.

Rege nossas convicções
A social trindade,
Vive em nossos corações
Pátria, Pedro e Liberdade.

Nosso Império aurifecundo,
Prodígio da Divindade,
Produziu Pedro segundo
Garante da Liberdade.

Pedro exemplo dos monarcas
Americana entidade,
Há de ser por natureza
Amante da Liberdade.

Veremos quando ante o Trono
Aparecer a verdade
Abrasar-se a tirania
No fogo da Liberdade.

Valor e patriotismo
União, fraternidade
Devem ser nossas divisas
Escudos da Liberdade.

Baldos recursos procuras
Teimosa atualidade:
Não há poder que suplante
Do Brasil a Liberdade.

Nossa firmeza
Nossa união
Trará da Pátria
A salvação

(Domingos de Faria Machado. Argos Sant’Amarense, 2 julho 1851, p. 3-4)

 

SONETO
Ao Índio do carro triunfal na sua descida da praça da Matriz para a rua do Trapiche de baixo à meia-noite.

Lá ribomba o canhão da Liberdade,
Festivo o campanário ao mundo soa,
Nossa gente nas praças se amontoa
De toda condição, de toda idade.

A livre, heroica, ardente Mocidade
Ao ledo DOUS DE JULHO hinos entoa,
Um pensamento existe, um brado ecoa:
Liberdade!… União!… Fraternidade!…

Ali vejo abatido o servilismo,
Erguida à Liberdade uma memória,
Um Índio-rei curvando o despotismo!

Eis o símb’lo leal d’alta vitória,
Que excita em livres peitos o heroísmo,
Reminiscência, júbilos, e glória!

(Domingos de Faria Machado. Argos Sant’Amarense, 20 julho 1851, p. 4)

 

Rev. Pe. Adriano Portela dos Santos

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