Há muita importância em saber a essência da Igreja, que é um chamado, uma con-vocação da parte de Deus. Desde a sua etimologia está marcada esta essência, porque tanto a palavra hebraica qahal, quanto a grega ekklesia, significam “reunião”, “assembleia”. E é significativo que Ekklesia tenha relação etimológica com o verbo kalein, que significa “chamar”. Deste modo, Ekklesia é a assembléia dos chamados.
O Papa João Paulo II observa que, “Tanto na língua semítica como na grega, a assembleia se caracterizava pela vontade de quem a convocava e pela finalidade com a qual se a convocava”, [uma vez que, tanto na sociedade hebraica, quanto na grega havia reuniões diversas,] “inclusive de caráter profano (políticas, militares ou profissionais), junto com as religiosas e litúrgicas” (Audiência Geral de 20/07/1991). Neste sentido é que o seu sucessor, Bento XVI diz ser “importante observar que quase sempre [nas cartas paulinas] a palavra ‘Igreja’ [ekklesia] aparece com o acréscimo da qualificação ‘de Deus’: não se trata de uma associação humana, nascida de ideias ou de interesses conjuntos, mas de uma convocação de Deus” (Audiência Geral de 15/10/2008).
Firmados na compreensão desta essência eclesial é que formamos o Corpo Místico de Cristo – um outro conceito da Igreja – no qual, cada um de nós fomos delegados pelo, próprio Deus, para exercer uma função, porque somos uma assembléia de con-vocados, chamados. O ponto chave da questão está em como compreendemos este chamado, como nos postamos diante dele e entendemos que deva ser o exercício da função a nós confiada. E isto depende em muito de como lemos Cristo, o ser humano e o mundo, porque é isto que compõe a nossa eclesiologia, isto é, a nossa visão de Igreja.
Seja como for, não vale ausentar-nos da nossa parcela de participação na Igreja, escondendo-nos no fato de que ela é ekklesia de Deus, e não nossa, e que, portanto, não temos o direito de em nada modificá-la. Sem dúvida, pessoa alguma tem autoridade para intervir nos fundamentos da ekklesia de Deus. Contudo, como bem salienta Bento XVI, “Sem abdicar de forma alguma da responsabilidade pessoal, a resposta livre do homem a Deus torna-se assim ‘corresponsabilidade’, responsabilidade em e com Cristo…” (Mensagem para o DMOV 2009). Somos, por isso, co-responsáveis pela Igreja de Deus.
Essa verdade é bem ilustrada pela Parábola dos Talentos (Mt 25,14-30), na qual o patrão censura o empregado que, por medo, esconde o talento que lhe foi confiado pelo patrão, e não entrega a este nenhum talento, senão aquele único que lhe foi confiado. Deus nos delega funções justamente para que demos de nós mesmos nestes lugares teológicos, produzindo muitos frutos, multiplicando os talentos; por isso somos uma assembléia de con-vocados por Deus.
É má fé esquivar-se do drama de nossa corresponsabilidade eclesial, com a simples afirmativa de que a Igreja seja assim, como se a Igreja fosse uma entidade extrínseca a todos e a tudo. Como diz o Cardeal Martini, “Estamos na Igreja… e a Igreja para nós é representada pelas pessoas que convivem conosco” (p. 13), e, em certos casos, por nós mesmos, que fomos chamados, por Deus, para certos lugares eclesiais. E ai de nós se não fizermos nosso o projeto de Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10,10) Porque, onde quer que estejamos no Corpo Místico de Cristo, não estamos senão para isto: gerar vida. Esta é a hierarquia (hierós + arkhé = fundamento sagrado) que rege esta assembléia de convocados, a Ekklesia de Deus.
Adriano Portela
12 de maio de 2009