Escolhas. O poema “Já faz tempo que escolhi”, do humaníssimo Thiago de Melo, não fala de outra coisa, senão de escolhas. Nesse caso, a escolha de não fazer de conta que não vê. Depois que vemos, só nos resta lutar, até quando não desejamos ter visto! Não se pode voltar à cegueira, não há “asco”, “fadiga”, “medo” que nos impeça de ver e dizer a dor que vimos e somos compelidos a pôr fim!
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Já Faz Tempo que Escolhi
A luz que me abriu os olhos
para a dor dos deserdados
e os feridos de injustiça,
não me permite fechá-los
nunca mais, enquanto viva.
Mesmo que de asco ou fadiga
me disponha a não ver mais,
ainda que o medo costure
os meus olhos, já não posso
deixar de ver: a verdade
me tocou, com sua lâmina
de amor, o centro do ser.
Não se trata de escolher
entre cegueira e traição.
Mas entre ver e fazer
de conta que nada vi
ou dizer da dor que vejo
para ajudá-la a ter fim,
já faz tempo que escolhi.
para a dor dos deserdados
e os feridos de injustiça,
não me permite fechá-los
nunca mais, enquanto viva.
Mesmo que de asco ou fadiga
me disponha a não ver mais,
ainda que o medo costure
os meus olhos, já não posso
deixar de ver: a verdade
me tocou, com sua lâmina
de amor, o centro do ser.
Não se trata de escolher
entre cegueira e traição.
Mas entre ver e fazer
de conta que nada vi
ou dizer da dor que vejo
para ajudá-la a ter fim,
já faz tempo que escolhi.
Rio de Janeiro, 1981
In: MELLO, Thiago de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de poemas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 198.

Thiago de Mello nasceu em 1926, no Amazonas, cidade de Barreirinha.