Literária

Soneto XXVII

pablo-neruda-3Quando adolescente, fui apresentado à poesia de Pablo Neruda (1904-1973), por Suelayne Cristina, através do livro Cem Sonetos de Amor. Desde então, nunca mais esqueci o lirismo apaixonado do poeta chileno. Seu sonetos atualizam a representação clássica do poeta, aquele que canta o amor e a amada, com uma docilidade de palavras capaz de embriagar quem as escuta.
Ele não só tem poemas líricos, já que também fez de sua poesia um exercício sócio-político. Mas lendo muitos de seus poemas, somos como que tomados, mobilizados pela beleza. Brotam de dentro de nós as mais entusiasmadas afeições por quem amamos e o desejo de vivermos apaixonados. Devo a Neruda a inspiração, a tônica, a cor, de alguns dos meus poemas  escritos entre os 17 e 20 anos de idade. Agradeço a Suelayne por tê-lo apresentado a mim.
Trago abaixo o Soneto XXVII, do Cem Sonetos de Amor, para ilustrar o lirismo de Neruda. O soneto em questão manifesta um eu-lírico tão apaixonado, que faz da nudez da amada objeto de sua poesia. Seus versos retiram o corpo da amada da objetificação que padece o corpo feminino, tão recorrentemente reduzido à categoria de corpo-sujeitado, corpo-dominado pelos homens. Aqui, o corpo feminino emerge como corpo-contemplado, corpo-admirado.

 

Nua és tão simples como uma de tuas mãos,
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,
tens linhas de lua, caminhos de maçã,
nua és magra como o trigo nu.

Nua és azul como a noite em Cuba,
tens trepadeiras e estrelas no pêlo,
nua és enorme e amarela
como o verão numa igreja de ouro.

Nua és pequena como uma de tuas unhas,
curva, sutil, rosada até que nasça o dia
e te metes no subterrâneo do mundo

como num longo túnel de trajes e trabalhos:
tua claridade se apaga, se veste, se desfolha
e outra vez volta a ser uma mão nua.

(Pablo Neruda)
In: Cem Sonetos de Amor. Tradução de Carlos Nejar. Porto Alegre: L&PM Pocket, 1998, p. 35.

ORIGINAL

Desnuda eres tan simple como una de tus manos,
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,
tienes líneas de luna, caminos de manzana,
desnuda eres delgada como el trigo desnudo.

Desnuda eres azul como la noche en Cuba,
tienes enredaderas y estrellas en el pelo,
desnuda eres enorme y amarilla
como el verano en una iglesia de oro.

Desnuda eres pequeña como una de tus uñas,
curva, sutil, rosada hasta que nace el día
y te metes en el subterráneo del mundo

como en un largo túnel de trajes y trabajos:
tu claridad se apaga, se viste, se deshoja
y otra vez vuelve a ser una mano desnuda.

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