Conheci esse poema de Cecília Meirelles em 2002, quando prestei o vestibular para Teologia na Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Era um dos textos da prova de Português. Jamais o esqueci
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Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho dentro de um navio…
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
(Cecília Meirelles)
O poema fala de decisões, especialmente da difícil decisão de findar os nossos sonhos, sejam quais forem os motivos. Por uma parte, o poema é melancólico, com o ato que acena (por o sonho num navio) e o espaço que descreve (o mar, a areia deserta). O gesto é doloroso porque o vestígio do sonho persiste no eu-lírico: “Minhas mãos ainda estão molhadas / do azul das ondas entreabertas”… o sonho não morre, é o eu-lírico quem o faz desaparecer com suas próprias mãos.
Por outra parte, o poema é reconfortante. O eu-lírico se toma nas mãos, diante da difícil escolha… ele não deseja ficar paralisado. Num gesto brusco de afundar seu sonho, e a custo de seus “olhos secos como pedras” e de suas “duas mãos quebradas”, ele escolhe a continuidade da vida. Sabe que, “depois, tudo estará perfeito: praias lisas, / águas ordenadas”. O poema, portanto, é claro-escuro: está envolto no escuro, mas tende para o claro!